"Essa parede é Azul."

Voltando um pouco no tempo, na crise aérea do ano passado, Mommy Government pisou forte no chão, fez tremer a passarela e proibiu vôos de conexão em Congonhas, provando por A+B como a busca por lucro (a.k.a. ganância) das empresas aéreas colocou a vida dos passageiros em risco.

Então, bateu nos peitos e disse: "Deixa que eu resolvo!" – no melhor estilo craque-matador-fominha dentro da pequena área – prometendo até novo aeroporto em São Paulo. 6 meses depois, a obra continua no campo das idéias. Até aqui, nenhuma surpresa.

Ontem Mommy Government voltou atrás, e autorizou a utilização do Aeroporto de Congonhas para vôos de conexão. Enquanto noticiava a re-liberação de Congonhas, a Globo mostrou um pronunciamento do Lula em rede nacional, em 20 de julho de 2007, quando ele afirma veementemente que esse aeroporto "Não pode mais ser um ponto de distribuição de vôos, conexões e escalas".

AHA! Agora sim: surpresa!!! Bom... Infelizmente não. Nem isso chega a surpreender a gente (leia-se: nós, brasileiros).

Nem isso, nem o fato de que Mommy prometeu que não ia aumentar impostos para compensar a perda da CPMF, e nas primeiras horas de 2008 introduz um aumento de IOF e outras contribuições. Nada mais parece nos assustar quando o assunto é a capacidade de mentir da nossa classe política.

Mas como mentem. Mentem como se não houvesse amanhã. Mentem sem nenhum constrangimento, como se não houvesse nenhuma questão moral envolvida.

Mente-se tanto que é até difícil descrever em palavras. Por isso, permitam-me apresentar uma pequena peça de ficção onde extrapolei essa idéia ao último ponto que julguei possível...

Essa parede é Azul
um delírio de Sergio Salvador

O presidente sobe ao palanque. Testa o microfone com alguns tapinhas carinhosos, ao mesmo tempo que o mar de repórteres vai ficando em silêncio.

– Boa tarde senhores. Obrigado pela presença de todos hoje nessa coletiva. Gostaria de anunciar que esta parede, que se encontra atrás de mim nesse momento, é Azul.

Silêncio no auditório. Repórteres olhando uns para os outros rapidamente. Leve zumbido de cochichos aqui e acolá. Finalmente, um profissional mais experiente e tarimbado põe sua reputação à frente, levantando sua mão.

– Pois não, pode fazer sua pergunta – diz o presidente.

– Senhor Presidente, acho que houve algum engano. A parede atrás do senhor é Vermelha, e não Azul.

O presidente nem vira.

– Não, não. A parede é realmente Azul. O problema é o ângulo em que vocês estão olhando.

O grupo de dezenas de jornalistas, então, começa instintivamente a se deslocar para esquerda em pequenos passinhos apressados, quase ensaiados, procurando o melhor ângulo para cobrir a novidade.

Param.

Observam.

Novo cochichar. Agora uma mulher se dirige ao presidente:

– Senhor presidente, a parede ainda parece Vermelha daqui e...

– QUE? – interrompe o presidente, fazendo conchinha com a mão direita e levando à orelha – Fala mais alto que vocês ficaram longe demais!

– SENHOR, É QUE A PAREDE AINDA PARECE VERMELHA! DEU PRA ESCUTAR?

– Hehe... – se contém o presidente – Eu sei, eu sei, mas olha só: é que é difícil ver daí, da posição de vocês. Mas daqui de onde eu estou, podem acreditar: essa parede é Azul. E eu sou o presidente ou não sou? Eu fui eleito, né? Eu não ia mentir pra vocês sobre uma coisa dessas.

Novos cochichos, balançar de cabeças em sinal de positivo. "Obrigado e boa tarde!". O presidente deixa o auditório, enquanto apagam-se as luzes do palanque, escurecendo a parede vermelha.